terça-feira, 15 de maio de 2007

O resto da Sexta-Feira e o 1º de Maio versão Carioca

Foi uma tarde muito curiosa, impactante por conhecer aquela realidade que não é homogénea, não cabe num pré-conceito, preconceito.
Conheci o Diego de 9 anos, menino de rua adoptado pela mãe do já referido Filipe, que achou muito curiosa “essa coisa que você fala”, ou seja, o português. Eu disse-lhe que se ele escutasse com atenção ia conseguir perceber tudo – então começámos numa brincadeira de falar português de Portugal e português do Brasil, durante meia-hora eu tive um interruptor. Desenvolveu uma paixão pela máquina fotográfica da Joaninha e foi ele o repórter fotográfico dessa tarde. O Diego nunca foi ao Cristo Rei.
A Mariana, 13 anos acabados de fazer, anuncia-se sempre com um bater de palmas, um jogar de cabeça para trás e gargalhada rouca e sonora, é a auto-intitulada “Rainha do Pedaço” e dona da pista, pois domina o funk. Tudo passa por ela, ali naquele reino tem o poder de tomar partido e fazer partidos. Tem “um Amor, uma Paixão e uma Distracção” e nessa sexta-feira estava toda contente porque um dos três ia “dar!”… Ainda assim, é uma das mais fiéis às tardes das “Anas e Marias” e ouve a Andreia, a “Ana” daquela comunidade como se fosse a mãe que não tem.
Outra menina (de quem infelizmente não me recordo o nome), chegada de Minas há cerca de um ano, esteve o tempo todo calada e a olhar para o frenesim da tarde e para o fim foi-se pôr entre a Joaninha e a Libelinha e encetou conversa – que o Rio é muito diferente de Minas, ainda se está a adaptar, que não gosta muito de praia mas a que gosta mais é a do Leme, que em breve tem de se ir embora porque vai começar a “Malhação”. Uhm… onde é que eu já ouvi isto?
A chuva, que durante a tarde toda se tornou torrencial, amainou, e quando descemos para o Leme para apanharmos uma van de volta a Copacabana, reparei nos “motoboys” que estavam na base da ladeira. A Borboleta já me tinha falado deles, taxistas de mota que sobem o morro mediante o pagamento de 1 real.
O jantar foi pizza, um rodízio de pizza de um dos dois supermercados nossos vizinhos, o Rio Sul. Veio o Ricardo, um colega de turma da Libelinha e da Joaninha que também está cá a estagiar. Houve brindes e gelado e depois quase todo o grupo saiu para a Lapa, o que até agora percebi como sendo o sítio da noite aqui.
Na primeira paragem um boteco, donde pude observar que os carros são estacionados em ponto morto, para poderem ser manobrados para outros carros estacionarem ou saírem.
Dali fomos para os “Democráticos”, uma casa que me lembrou a “Kananga do Japão” – edifício de meados do século XIX onde se dança o samba, algum tocado ao vivo.

O 1º de Maio nesta versão Carioca foi de tranquilidade a lembrar o Verão. Grande parte do dia foi passada na praia de Copacabana, cheia como se fosse fim-de-semana naquele dia deste Outono que tem sido tão generoso.
Se vos preocupa a noção de limite e espaço próprio nas praias portuguesas, então acho que aqui essas noções sofrem uma adaptação! Não sei bem como, mas os Cariocas ainda conseguem ser mais espaçosos de que uma família de 6+cão na praia de Armação de Pêra. Chegam e instalam-se, não interessa se já estava lá alguém antes. Literalmente, tive de mudar de sítio 3 vezes porque fui abalrroada!
Para além deste dado pitoresco, os Cariocas que frequentam Copacabana – sim, porque são muitas as nuances entre estes e os que frequentam, por exemplo, Ipanema; pude verificar isso no domingo passado – embora muitíssimo diversos (já ouvi aqui por mais do que uma vez que a praia de Copacabana é o local mais democrático do Rio) são todos muitos espalhafatosos. Ouvem-se as conversas, as fofocas e os babados, tudo o que não se quer ouvir mas que é impossível deixar de ouvir porque se passa a menos de 1 metro e é dito em alto e bom som… “Aí, eu fui com a Kelly na Academia, e aí, a gente chegou lá, e aí, encontrámos o Rodrigo, você sabe, aquele que está ficando com a Fabiana – esse é a maior fofoca, ela diz que ele beija maaal! – e aí…”
A completar o quadro sonoro há a passagem constante dos vendedores de… bem, basicamente tudo! É realmente constante, já os tentei contabilizar num limite de tempo, mas não dá, tinha de ter visão a 360º. Eles vendem amendoins, cangas, óculos de sol, vestidos, pulseiras, colares e anéis, bebidas (“Água, h2o, coca-cola, cerveja, Skol!” “Mate! Olh’ó mate ((mátchiii)! Mate Leão” “Guaraná, Limonada, GuaráViton”), comida (“O sanduíche natural!””Empada, esfiha, pastel!!!”), protector e bronzeador, canga-bolsa, Picolé e Sacolé da Moleca, gelado Kibom, gelado Alô Itália, um pouco de tudo num carreiro permanente.
Depois, aqui não há bandeiras a indicar o estado do mar. Se o mar está bravo, os melhores indicadores são a presença dos surfistas e bodyboarders, que por as ondas se formarem tão em cima da zona de rebentação funcionam eles próprios como desmotivadores dos banhistas, dado que ninguém aprecia a perspectiva de levar uma pranchada na fonte. Se a coisa está mesmo má, aparecem os “Guarda-Vidas”, os Nadadores-Salvadores do pedaço, que com o seu ar Baywatch Carioca se reúnem em grupinhos a observar o movimento (não exclusivamente das ondas e das correntes) e espetam umas plaquinhas a dizer “Perigo-Correnteza”.
O Carioca, como é mundialmente sabido, gosta de estar em forma e trabalhar para isso. Como tal, aqui as “academias”, nossos ginásios, ganham importância de serviço de urgência, ao ponto de estarem abertos 24horas, coisa que não acontece com muitas urgências no nosso país.
O calçadão é outro espaço privilegiado para o exercício, tal como a Lagoa Rodrigo de Freitas, cada um ao seu estilo. Mas a areia, é aqui um recinto olímpico entalado entre o calçadão e o mar. Assim, aquelas distracções de areia do tipo “a raquetes”, são encaradas como desporto nacional, e por vezes são tantos os entusiastas que se formam batalhões de jogadores, todos alinhados a treinar as melhores batidas e a ouvir os conselhos dos treinadores. O entusiasmo pelo desporto de praia é tanto, que na faixa de areia contígua ao calçadão há uma série de delimitações de campos de jogo – futebol, vólei, andebol, futvólei… Estes são explorados ou pelos proprietários dos quiosques próximos, ou por grémios associativos, ou mesmo pela Prefeitura, que promove actividades de praia para miúdos de todas as idades, durante horários variados e de actividades também variadas.

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